quarta-feira, 5 de março de 2014

Morreu aos 95 anos. E foi cedo.

Tem gente que deveria viver alguns séculos, não somente anos, para que seu exemplo também seja sempre o mais vivo possível.

Nelson Mandela foi assim.

Hoje faz 3 meses do dia de sua morte, e no amistoso legalzinho de futebol entre Brasil e seu país, África do Sul, os jogadores de ambos os selecionados homenagearam Madiba (alcunha respeitosa em alusão ao clã a que pertencia), estampando no uniforme o número da cela em que o líder ficou preso por décadas, por simplesmente ter resistido à ferrenha segregação racial no país, o infame, bizarro e criminoso regime social conhecido como apartheid.

Ao noticiar sua morte, o site da revista mais famosa de nosso país o definiu como "líder mundial da luta pela igualdade". Pausa: essa revista, claro, é a Veja, aquela que vende opinião/tendência em forma de notícia, e os incautos leitores ou não percebem, ou se percebem eximem-se de tirar suas próprias conclusões, formando uma classe média, digamos, "Veja-orientada" - em SP esse movimento é fortíssimo.

Mas a definição de Veja no caso é perfeita, é consenso, é relevante e reveladora de quem era esse ser humano absolutamente extraordinário: o líder político-social vivo mais importante na face da Terra. Curiosamente, o possível segundo líder vivo mais importante à época era o também negro Barack Obama, para lavar a alma dos conscientes, e para a desgraça dos energúmenos que ainda ostentam em suas almas a mancha e o fedor do preconceito racial.

Quando dos funerais da antropóloga Ruth Cardoso (célebre primeira-dama nas gestões FHC), que ocorreu há alguns anos, lembro bem do depoimento do excepcional ator Milton Gonçalves, que num compreensível repente de excessivo pessimismo constatou "vão as estrelas, ficam as pragas".

Exagero. Há gente boa que que vive muito, e há gente má que morre cedo, claro. Mas em pelo menos três casos a frase de Milton acerta na mosca. Só para ficar pelos ditadores nas Américas:

1 - o chileno Augusto Pinochet morreu em 2006 aos 91 anos (e 3.200 mortes nas costas, outras tantas barbaridades, e nenhuma punição)

2 - o argentino Rafael Videla morreu ano passado aos 87 (muitos assassinatos e torturas na vergonha de seu currículo, nenhum arrependimento, curta punição no fim da vida - morreu onde deveria ter vivido, na cadeia)

3 - o cubano Fidel Castro, seus 87 anos, seu irmão seguindo seu "legado", continua tocando a vida, não tão firme e forte assim, mas segue paparicado talvez pela única coisa que funciona em sua ilha, o sistema de saúde (a dele pode ir até que bem, mas certamente não a saúde física e mental de centenas de condenados a longuíssimas prisões políticas); Fidel conseguiu com larga margem anular os louros do heroísmo de seu inicio de carreira política, e ainda co-impõe ao seus o amargor do embargo econômico absolutamente cruel dos donos do mundo, os EUA

No Brasil, alguns ditadores do Golpe de 1964 já morreram e estão acertando as contas de seus assassinatos com a besta-fera, mas muitos ainda vivos tem a oportunidade de manter a arrogância e o orgulho de seus crimes, enquanto enchem suas fraldas geriátricas ao serem confrontados em oitivas na ultra-tardia Comissão da Verdade.

E Rui Barbosa bem avisou: os canalhas também envelhecem.

Que distância há entre um só Mandela e toda essa canalha de ditadores!

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