sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Marginalzinho amarrado ao poste - 3

Será que os comentários da jornalista Rachel Shererazade estão fazendo efeito, apesar de sua qualidade teatralmente duvidosa, e do naipe da emissora que os abriga?

As repercussões e virtuais reflexos da condescendência com milícias de justiceiros, bem como com a ilegalidade da barbárie do infame e famoso “olho por olho, dente por dente”, estão a todo o vapor, não param.

Senão, vejamos outros 4 lances além dos já vistos por aí, propagados pela imprensa apenas nas últimas 24 horas:

1 – um ladrão de celular foi espancado neste último 26/02 por quatro homens em Botafogo, bairro do Rio de Janeiro (matematicamente falando, quatro valentões contra um)

2 – no mesmo dia, um rapaz suspeito de tentativa de furto no bairro de Santo Antônio, em Belo Horizonte, foi preso a um poste com lacres plásticos; antes de a polícia chegar, consta que o prisioneiro teria sido solto por um motociclista

3 – ainda no dia 26, um menor de 17 anos teve os pés e as mãos amarrados após roubar o celular de uma pedestre, também em Botafogo, no Rio; um grupo de moradores tentou linchar o jovem, enquanto outras pessoas o defendiam até a chegada da polícia, mas o espancamento não foi evitado

4 – dois dias antes, na 2ª feira dia 24, um adolescente suspeito de roubar um celular em Franca, SP, levou um “mata-leão” de um jovem metido a justiceiro, que antes fora envolvido em drogas e roubos (segundo o próprio pai); a vítima adolescente morreu
 
Rachel e seus seguidores poderiam tomar um chá de camomila, votarem melhor, cobrarem mais das autoridades, agirem e estimularem ações nos limites estritos da legalidade.
 
Apesar de realmente abomináveis as palavras da moça falante, e da bastante provável baixa audiência de sua emissora de TV, coincidência ou não, os casos se proliferam.
 
A sorte está lançada.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

As rapaduras de Azeredo, Jefferson e Maluf

Entregar a rapadura, escrito desse jeito assim, significa informalmente entregar o jogo, ou jogar contra si mesmo, ou mesmo escancarar miséria de outrém. Na internet corroborei mais ou menos isso aí que achava a respeito da expressão 'entregar a rapadura'.

Em tal contexto, Eduardo Azeredo, super-provável mentor do mensalão do PSDB em Minas Gerais, entregou legal a rapadura. Viu que a denúncia que chegou contra ele no STF muito provavelmente prosperaria, e aí ele então acaba de renunciar ao seu mandato de deputado federal para não ser cassado, como tantos outros malfeitores tem feito há décadas. Com o gesto, ele e seus correligionários que sempre alegaram pureza áurea, deram uma bela entregada de rapadura. Azeredo colou em sua própria testa o rótulo de réu. Desculpas esfarrapadas já vieram, e ainda virão aos montes durante a campanha para a sucessão presidencial deste ano - que será, claro, uma competição sobre qual mensalão foi pior, o nacional do PT-Dirceu para compra de apoio ao governo Lula, ou o mineiro do PSDB-Azeredo para pagamento de despesas de campanha eleitoral (do próprio, e também de FHC).
 
Já Roberto Jefferson, delator do mensalão petista, e que jamais explicou o que fez como pessoa-física e/ou presidente do PTB em relação aos R$ 4 milhões que recebeu do esquema, está tendo uma punição relativamente doce. Diria que enquanto Azeredo entrega a própria rapadura, Jefferson lambe a iguaria. Já entregou no passado quando delatou um monte de gente incluindo ele mesmo. Mas agora, vive mais doce. Acometido por um câncer abdominal severo, mas aparentando boa recuperação, é o último a ser preso, e por sua delação foi premiado com expiação bem mais light que seus traídos colegas de esquema. Escudeiro fidelíssimo do então presidente Collor, devidamente ladeado na época por Renan Calheiros, ganhou durante sua exposição midiática simpatia dos incaltos por sua retórica sempre muito bem posicionada e adicionada de certo charme.  
 
Azeredo entregou-se, Jefferson curtiu um doce, mas Maluf, que sempre esteve bem mais para Jefferson que para Azeredo, teve uma rapadura enorme entregue pelo insuspeitíssimo Deutsche Bank, bancão alemão que não quis ficar com a encrenca na mão, e mandou a bagatela de US$20 milhões de volta, literalmente, para os cofres da municipalidade de São Paulo. Em acordo com o Ministério Público local, o banco achou por bem restituir o rombo à origem, pelo fato de ter se convencido que salvaguardava fruto de ilícito.

Maluf, óbvio, negou tudo apesar das tremendas evidências, esse não entrega a rapadura jamais.

Jefferson seguiu curtindo vida semi-doce vencendo heroicamente sua doença no interior do Rio, e passeando de moto até pouco antes de ser preso, na última segunda-feira.

Azeredo, que já se fingia de morto antes de entregar sua rapadura, está mais calado que nunca. E ainda viu seu partido tentar amenizar a má impressão de sua renúncia, ao celebrar totalmente fora da data o aniversário de 20 anos de implementação do Plano Real, veja aqui como foi.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Marginalzinho amarrado ao poste - 2

Nos dias seguintes ao “justiçamento” produzido por rapazotes no Rio de Janeiro, que detiveram um menor delinquente, espancaram, despiram e o ataram a um poste por uma trava de bicicletas (com a devida condescendência da jornalista/comentarista Rachel Shererazade do SBT, e de um montão de gente), 4 lances relacionados pipocaram cá e acolá:

1 – o mesmo menor foi detido por policiais por ter roubado um turista em Copacabana na 4ª feira passada, um dia após sair do abrigo para onde foi levado após ser liberto por uma artista plástica que chamou os bombeiros

2 – na mesma semana, três casos virtualmente inspirados no do menor delinquente no Rio e nas palavras de Rachel, ocorreram na cidade de Goiânia em menos de apenas 24 horas

3 – ainda durante a semana, dois rapazes confundidos com bandidos no Distrito Federal foram espancados por um grupo de justiceiros, e o saldo agora é que um dos rapazes está traumatizado (psicológica e fisicamente – teve o nariz fraturado) e seu pai é policial

4 – o renomado jornalista Ricardo Boechat asseverou que a postura de Rachel Shererazade, embora abominável, é bem aceita por boa parte da população, e que achava a opinião dela “uma b.” (não escrevo a palavra inteira para não pesar mais ainda o clima, mas quem mandou essa moça falar m. né?...)

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Justiça que tarda, falha

Justiça que demora para ser feita deixa de ser totalmente justa.
 
Durante a semana o Ministério Público Federal denunciou seis pessoas por conta do célebre atentado no Complexo Riocentro - um sétimo elegível para isso seria o militar que por algum descuido teve a bomba destinada aos inimigos resistentes explodida em seu colo, e desde então foi ele próprio parar no colo de alguém no além. Quem sabe agora, 33 anos depois, sai alguma condenação aos que ainda estão na dimensão dos vivos.
 
Também nos últimos dias, o conhecido massacre do Carandiru gerou julgamento dos réus do caso, 22 anos após a matança, e mesmo assim parece que não será dessa vez que implementadores da pena de morte em 111 presos de uma vez só serão condenados - assim como no caso dos réus das mortes e torturas da ditadura militar de 1964, parte já morreu, e parte está de pijamão em casa esperando a morte natural chegar, auferindo aposentadoria mensal em valores imoralmente (mas legalmente) altos, muitíssimo maiores que suas contribuições durante o tempo de serviço, mas isso de salários do funcionalismo público já é outro papo.
 
Quando o establishment ou a elite (como o jornalista Pimenta Neves e o juiz Lalau) aprontam, demora horrores para serem condenados por seus crimes, e às vezes de fato nunca são. É sempre assim. Criminosos de grife são eternamente desculpáveis, a justiça vai bem devagar e a maioria da população sempre pega leve, ou até mesmo os apoia. Já ladrão de bicicleta e de lanchonete, como temos observado na imprensa nos últimos dias, são perseguidos, espancados e amarrados em praça pública por essa mesma população. Vai entender...
 
Se o rigor da lei fosse aplicado a ambos os grupos delinquentes, poderosos e não-poderosos, eles teriam tratamento bem diferente que tem tido. Mas o reflexo da legalidade, ao invés de ideal a ser buscado com todos seus defeitos e virtudes, parece que não é muito desejado pelo povo em geral.
 
Seguem links de acesso a vídeos tanto do caso Riocentro (Arquivo N, da Globonews) como do caso Carandiru (SPTV, da TV Globo).

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Bolsonaro, Feliciano e a burca da alma

Estive há um tempo num país cuja religião predominante é o islamismo, e portanto mulheres vestindo véus e burcas são algo comum. O objetivo da vestimenta é literalmente esconder cabelo ou mesmo todo o corpo da mulher. Do ponto de vista de quem está acostumado com a cultura de países ocidentais, ver alguém de burca causa certa espécie.
 
Mas gostaria que houvesse uma burca para a alma, e aí me disporia para fazer todas as gestões possíveis para que os deputados Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP) vestissem o aparato, e assim suas almas estariam devidamente escondidinhas.
 
O dicionário define a palavra alma, filosoficamente, em três grupos: o centro de afetos, de paixões; a consciência; e tudo o que dá vigor, força, expressão.

Já pensou, tudo isso aí desses caras devidamente escondido, nada do que temos visto deles à mostra? Mas infelizmente a realidade está bem distante disso. Ao contrário, para a tristeza dos que buscam a paz, ambos estão bastante serelepes.

Bolsonaro postulava até a última 3ª feira, dia 18, a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Outros partidos, e o dele próprio, parecem não terem gostado muito da ideia, mas ele insistia.

A ideia de jerico, equivalente a deixar lobo tomando conta dos cordeiros ou macacos vigiando bananas, teve incentivo de Feliciano e da infame bancada evangélica (expressão do retrocesso desejoso de misturar religião com política). 

Feliciano é aquele estropício que entre outras asneiras disse que aids é o câncer gay e que os africanos são descendência amaldiçoada de Noé (sic). De que fonte esse indivíduo veio podemos não saber, mas se alguém é amaldiçoado nessa história, é o acusador brasileiro, não os africanos.

Bolsonaro é uma coisa não menos bizarra, talvez até pior, com suas declarações fascistas e discriminatórias contra tudo quanto é gente, e uma definição na página do Wikipedia com um histórico de posturas de fazer inveja a Hitler e Mussolini juntos.

Não tendo mais nenhum desses dois deputados presidindo a comissão, eles já prometeram que vão querer ser membros. Por que será que justamente esses dois ultra-conservadores, racistas, agressivos e homofóbicos desejam "trabalhar" (pena que aspas são só um par mesmo...) com direitos humanos? Talvez estejam motivados em salvaguardar moral e bons costumes, essa dupla conceitual que talvez seja a mais subjetiva, oca e discutível do mundo.

Infelizmente, o posicionamento de ambos conta com a simpatia de muita gente legal e esclarecida. Prefiro porém ficar do lado dos que protestam contra esses caras, inclusive artistas e intelectuais que mostram a cara contra eles.

Enquanto a burca da alma não é confeccionada, quem desejar pode se posicionar criticamente contra a intolerância, a agressividade, o sectarismo. Como Bolsonaro ainda deve lutar pela presidência da Comissão, uma petição comunitária pela internet se opondo à ideia ainda está em curso (página interessante e com boa adesão, já assinei).

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Sandálias da humilhação

Ouvi essa expressão há alguns anos, no programa Roda Viva da TV Cultura, quando Jô Soares reclamava do assédio dos humoristas do programa Pânico na TV para que ele calçasse "sandálias da humildade" - que era um par gigantesco de sandálias a ser colocado numa celebridade, que ao aceitar ganharia a chancela da humildade, no conceito da turma de brincalhões. Jô então fez o trocadilho, dizendo que só calçaria o destrambelhado adorno se o pessoal maneirasse no assédio e nos rótulos bobos. E ele realmente calçou algumas semanas depois, para delírio da moçada.

O programa atualmente chama Pânico na Band. Consiste de esquetes, imitações (capitaneadas pelo craque do humor Carioca), tiradas e tomadas de rua, algumas inteligentes e outras infantilóides, sempre entremeadas com closes de glúteos de dançarinas de corpos inacreditáveis.

Característica comum, infelizmente, de grande percentual das brincadeiras é a falta de respeito, de preservação, de gentileza, de educação. Sobra a humilhação.

Já vi uma dançarina comer uma fatia de embutido devidamente pré-besuntada no sovaco de um outro cara lá, uma outra dançarina passar naquelas máquinas de lava-rápido atada ao capô do carro, a espevitada Sabrina Sato ser rebaixada a sete palmos debaixo da terra em um caixão com câmera dentro da urna captando suas reações. Além disso, também rolam saias justas verbais nauseabundas com artistas de TV, e grosserias dispensáveis entre a própria trupe.

O humorístico estava em recesso, e voltou nesse último domingo. Não assisti, e há bons meses não vejo, via de regra estou no mesmo horário aterrissado em outros canais. Mas já vi pelo blog de Mauricio Stycer que os caras seguem na mesma vibe, fórmula de sucesso que de fato parece ser, dentro dos padrões desejados, claro.

Ao contrário do ditado, é melhor perder a piada que perder o amigo. Talvez peça muito, mas é melhor perder audiência e manter o respeito. É preferível calçar aquele sapato velho mas com significado, às sandálias da humilhação que afloram o ridículo que há dentro de todos nós.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Uma flor para os cubanos

Se eu fosse cubano, daria um jeito de fugir do país. E para nunca mais voltar. Sairia como pugilista, médico, jornalista, náufrago em direção a Miami, mas em Cuba não ficaria. Além de todos problemas endógenos, os vizinhos ianques lhes impõem um cruel e assassino embargo econômico, como de fato não se vê similar no Ocidente. É ruim viver lá. E sem um motivo convincente aos olhos do governo insano da ilha, é proibido viajar para fora dela.
 
Estive em dois lugares em Cuba. Em Varadero, uma chamada "cidade-resorte" no país caribenho, e também estive em Havana, a capital. Em Varadero deu tudo certo, hotel com boa estrutura e paisagem de Caribe, nada a reclamar. Já na capital, a péssima infra-estrutura, o comércio inexistente e o sucateamento generalizado são dignos de absoluta piedade e baixo-astral. Consegui mesmo assim me divertir com o exotismo de Havana, boa histórias de lá estão na memória. A incrível cultura, e a envolvente elegância e boa educação daquele povo impressionam.
 
Mas cubanos sabem que vivem mal. Funcionários do hotel em Varadero davam a dica. Um deles, jardineiro, lamentava profundamente suas dificuldades comigo em bate-papos nos intervalos de execução de sua arte, enquanto eu ficava na sacada do apartamento contemplando o mar. Em nome de nossa novíssima amizade atirei em suas mãos o boné que usava. Ele vestiu o boné instantaneamente, e em retribuição roubou uma dentre as centenas de flores que cuidava, por algum motivo a tocou em sua cabeça, e depois me deu. Fomos bons amigos, ainda que por alguns minutos.
 
Nunca soube manter a amizade com o jardineiro. Há 17 anos não havia email ou celular. Mas se houvesse, ele não teria acesso (ninguém tem nada minimamente evoluído do país). Tive então que esperar até o Ceará me ajudar em agosto de 2013. O estado foi um dos pontos de desembarque dos profissionais do programa "Mais Médicos" do governo brasileiro iniciado no mesmo ano. Um primeiro grupo de médicos desembarcou na capital do estado, e foi recepcionado por um bando de médicos sem qualquer noção do ridículo, mas talvez com uma boa noção de xenofobia, que se deu ao trabalho de ir até o aeroporto injuriar os colegas estrangeiros com palavras preconceituosas. Um dos médicos cubanos, Dr. Delgado, levou descompostura aos berros de uma patricinha colega brasileira, que tinha aliás a mesma idade de sua filha. Olimpicamente disse após a gigantesca falta de respeito e educação algo como "não entendi a hostilidade, estou apenas indo para onde eles não querem ir".
 
Dias depois uma segunda turma de médicos cubanos desembarcou no mesmo aeroporto, e movimentos sociais tiveram a tirada de levar flores, indenizando assim um pouco a péssima primeira impressão. Queria ter podido estar lá junto, relembrando o regalo que havia ganho 17 anos antes.
 
Pelo programa, nosso governo pagaria R$10 mil para cada médico que topasse vir trabalhar em rincões sem cobertura médica no país. Lugares considerados inóspitos não atraem médicos tupiniquins. Apesar de prefeituras e governos oferecerem bons salários, as vagas não são preenchidas. Tem que respeitar a decisão soberana dos médicos brasileiros de não quererem trabalhar em certos lugares absolutamente problemáticos, sem dúvida. Mas o povo de tais praças sempre amargou desespero e morte - e afinal, o que há de pior que não se ter uma mínima assistência médica? Talvez apenas a falta de saneamento básico, de água e canal de escoar dejetos, seja mais indigno. Mas fato é que médicos brasileiros nunca toparam certos lugares, e por salário até menor traz-se agora gente de fora. Dentre eles muitos cubanos, ótimos médicos que tradicionalmente são.
 
Se certa região no Brasil está desguarnecida, e se os caras que vem de fora são bons, qual o problema? Geralmente, os mais ricos são contra o Mais Médicos, e os mais pobres a favor (talvez porque literalmente já sentiram na carne os efeitos da carestia no campo da saúde, e em tantos outros).
 
Soube-se que o governo patético dos irmãos Castro retém entre 90% e 95% do pagamento do governo brasileiro. Ou seja, resta para os médicos cubanos algo entre R$500 e R$1.000, uma vergonha. Três deles já pediram asilo estrangeiro. Estão certos. Uns 30 desistiram do programa nessas condições e voltaram a Cuba. Desistir e tentar fazer outra coisa tudo bem, mas voltar para Cuba só se justificaria por questões de família mesmo, sei lá...
 
Aos cubanos, sul-americanos e europeus que aderiram o programa, deveríamos preferir dar flores e encorajamento na ajuda aos nossos patrícios necessitados, a ovos e xingamentos. Precisamos todos, médicos e leigos, colocar espelho nos olhos, checar a consciência, e decidir de que lado estamos.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Preconceito: é claro que existe no Brasil

No último dia 12 de fevereiro o jogador Tinga, do Cruzeiro, ouviu quando tocava na bola a torcida adversária fazer onomatopéias de macaco, em jogo da tradicional taça Libertadores da América, no Peru - cuja população paradoxalmente tem um alto índice de descendentes de não-brancos (é forte a população indígena naquele país).
 
Dois dias depois, numa sexta-feira, uma australiana branquela chamada Louise, que mora há 5 anos em Brasília, não quis ser atendida num salão de beleza por uma profissional negra, nem tampouco queria que a moça lhe dirigisse a palavra (pasmem, isso já em frente aos policiais que foram chamados). Logo depois na delegacia, sustentou semelhantes asneiras perante a delegada - a estrangeira inacreditavelmente voltou a ter repentes racistas, e destratou policiais negros.
 
Naquele mesmo dia, também no Distrito Federal, uma cobradora de ônibus (ou trocadora, dependendo de como se chama em cada região do país) foi chamada de 'negra ordinária' e 'preta safada' porque não quis declinar o nome do motorista a uma passageira, cuja claustrofobia parecia limitar também seu caráter - todos estavam no interior do ônibus quebrado e com as portas travadas.
 
Nos últimos dias, uma foto publicada no Facebook por uma descabelada professora universitária chamada Rosa, do curso de Letras da PUC do Rio de Janeiro, somou milhares de visualizações. A foto estampava em "close" um advogado voltando de férias no aeroporto da cidade, trajando camiseta regata para aliviar o calor, o que na visão da professora caracterizou estilo para se usar em rodoviária e não em aeroporto - ou seja, a professora (cujos alunos, imploro, passem a peneirar o que ela ensina!) teve a pachorra de tirar foto de um terceiro e descarregar em sua página de internet, apenas para detonar o modelo.
 
O advogado posicionou-se pública e educadamente, e a docente melancolicamente tentou se retratar (não sem antes perder cargo de coordenação que tinha na faculdade).
 
A cobradora de ônibus reagiu verbalmente contra a agressora, protestou em rede social, e obteve o apoio da companhia de transporte em que trabalha. A senhora com possível claustrofobia sumiu.
 
A profissional de estética chorou, recebeu o apoio de bastante gente em meio à confusão, e assistiu sua algoz ser conduzida ainda em surto para a delegacia (beneficiada por "habeas corpus", responderá o processo em liberdade).
 
Tinga deu declarações maiorais, com elegância e resignação superiores, enquanto cartolas sul-americanos decidem como punir e minimizar novos desvios de comportamento, e lamentou o choque potencial que o incidente pode causar na cabeça de seus filhos pré-adolescentes - fruto de bela miscigenação racial, diga-se de passagem.
 
Isso para ficar em eventos recentes. Para melancolia geral, há centenas e centenas de outros casos de preconceito, não apenas o racial, mas ele prevalece. Exemplo bizarro é da bela atriz e cantora negra Thalma de Freitas, apreendida em 2011 por atitude (ou raça?) suspeita, e depois pondo seus ofensores com cara de injeção na testa ao ser reconhecida na delegacia.
 
Ah, em tempo: australiana branquela, senhora com "caráter-fobia", e professora descabelada, por favor perdoem-me pelo preconceito.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Marginalzinho amarrado ao poste

Nesta semana a imprensa noticiou que duas pessoas foram atadas a um poste de rua. Um caso foi de um calouro da faculdade Casper Líbero em São Paulo, como parte de um trote bizarro de veteranos, inaceitável. No início desta semana um suposto assaltante de lanchonete foi também atado a um poste por pretensos justiceiros em Santa Catarina.
 
Na semana passada a jornalista Rachel Sheherazade (apresentadora do jornalístico SBT Brasil) teceu comentário iniciando com a frase "o marginalzinho amarrado ao poste...", em referência ao garoto delinquente de 15 anos, 'vingado' por uma milícia de playboys do bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Essa 'vingança' consistiu em despir o menino, mutilar parte de sua orelha, e atá-lo a um poste pelo pescoço com uma trava de bicicletas. O garoto foi acudido por uma artista plástica residente nos arredores, que viu a movimentação, se interpôs entre agredido e agressores, os valentões então foram embora, e os bombeiros chegaram para serrar a duras penas a trava envolta no pescoço do prisioneiro. A artista está agora com medo de sair de casa, pois tem sido ameaçada de retaliação por conta de seu ato reparador.
 
Crime notório essa ação dos justiceiros maiores-infratores. Se o menino estava rendido a ponto de ter sido feito dele o que de fato foi, que se levasse então à polícia e/ou aos pais.
 
Rachel aparentemente identificou-se com o fato. Encheu a boca ao chamar o rapaz delinquente de marginalzinho. Em nenhum momento recriminou a ação ilegal dos milicianos. Disse, ao contrário, que a ação foi até compreensível, dada a insegurança que passeia pelas ruas.
 
Essa mesma comentarista, moça charmosa na faixa dos 30 ou 40 anos, que faz jus mensalmente ao estupendo soldo de R$150 mil para cumprir função de apresentar notícias e palpitar com dedo em riste, é ladeada em bancada no jornalístico pelo experiente e renomado Joseval Peixoto. Ele puxou uma espécie de pedido de desculpas no dia seguinte à declaração da moça, fazendo um bate-bola com ela com questões arranjadas como "esclarece por favor se você, que se assume cristã, é ou não a favor da violência", e nitidamente constrangido encerrando o teatro ao dizer que as opiniões dela, dele e do SBT não são necessariamente as mesmas.
 
Coincidentemente poucos dias depois da declaração de Rachel, seu apático canal de TV demitiu três notórios comentaristas que, quero crer por falta de oportunidade em lugar melhor, topavam trabalhar na emissora: Carlos Chagas, José Nêumane Pinto e Denise Campos de Toledo. Justamente a moça raivosa, profissional léguas distantes de seus colegas que receberam o bilhete azul, estava entre os poupados. Consta que Rachel seja protegida do dono da emissora, o mitológico Silvio Santos. Consta também que seus colegas jornalistas de emissora declararam sentir vergonha dela. E sabe-se ainda que o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e a Comissão de Ética daquela entidade divulgaram uma nota de repúdio contra a "grave violação de direitos humanos e ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros".
 
As opiniões conservadoras e reacionárias dessa jornalista, incluindo o episódio da raiva do menino atado ao poste com subjacente condescendência com os milicianos, são celebradas por populares na internet, pelo o que se pode observar facilmente dando um google.
 
Multidões unidas podem significar apenas que os tolos estão do mesmo lado. Foi assim com o nazismo de Hitler, com a ditadura implantada pelo Golpe de 64 no Brasil, e talvez como ainda não tenha percebido a cristã boquirrota, com o clamor pela crucificação de Jesus.
 
Vejo que cristãos sinceros (como Shererazade se declara e eu acredito ser também) compartilham dessas mesmas ideias, dessa mesma raiva, mesmo desejo de vingança, dessa opinião que fins justificam os meios. Assim como os colegas de emissora de Rachel tem vergonha dela, tenho vergonha dos cristãos-evangélicos iracundos. O saudoso e desaparecido Ulysses Guimarães corajosamente declarou na vigência da ditadura militar no Brasil, ter nojo do regime. Desautorizadamente, empresto a sensação para declarar que tenho nojo das opiniões e da postura de Rachel e seus asseclas.
 
Não há dúvida que violência gera violência, agressão gera agressão. Com seres humanos via de regra é assim. Pais, tios, conhecidos, vizinhos de comunidade do menino, ou mesmo qualquer um que se identifique com sua humilhação podem desejar revanche. Será que Rachel classificaria também como "compreensível" eventual retaliação física aos playboys agressores? Em outros comentários (e não  são poucos), Rachel compadeceu-se do garoto rico Justin Bieber e pediu tolerância às bagunças brasileiras do fedelho, detonou os 'rolezinhos', e detonou mais ainda a iniciativa de um parlamentar de se tirar a menção "Deus seja louvado" das cédulas de Real.
 
Rachel poderia promover o louvor à sua deidade de forma bem mais eficaz que a destilação de sua ira ao laicado desejoso de retirar menções religiosas do dinheiro. Poderia lembrar que Jesus endureceu seu discurso em oposição apenas a duas situações: contra hipócritas e mercadores da fé. Cuidado, Rachel! Pois a ladrões, prostitutas, endemoninhados, e mesmo aos que o torturaram e mataram, Cristo manteve seu senso de justiça, ponderação e mansidão. Em seu ministério, ainda jantou amistosamente com fiscais dinheiristas, isentou adúlteros de penas impostas por seus semelhantes (como talvez despir, cortar a orelha e amarrar em poste), olhou com ternura aos mais fracos, ofereceu ajuda a desconhecidos, pregou parábolas de inclusão e justiça (não justiçamento).
 
A raivosa jornalista, que pela casca e discurso agressivo lembra bastante Fernando Collor e Jair Bolsonaro, e que confessa simpatizar com o estropício do Marco Feliciano, terminou seu discurso com a bizarra provocação de que quem tiver compaixão do menino atado ao poste, que adote um bandido (sic).
 
Retórica paupérrima, e que por incrível que pareça encontra guarida em muita gente esclarecida. Esse menino deveria é ser entregue à polícia ou pego por ela, pois ao contrário da provocação fascista da moça, não se trata de caso de adoção. Caso ela não tivesse tido coragem de tamanho sarcasmo, não precisaria citar que nem toda pessoa admirada é adotada, caso contrário o ex-jogador Zico estaria acomodado num seguro quarto de bebê em minha casa - ou teria talvez seu corpo fragmentado para que outros pudessem ter o mesmo privilegio que eu.
 
Se Rachel e os que gostam de suas ideias são de fato maioria, orgulho-me bastante de ser minoria. Se se encantam com palavras/frases enlatadas e vazias ditas à exaustão por ela (para justificar violências) como moral, bons costumes, pessoas de bem, "direitos humanos apenas para humanos direitos", etc., proponho-lhes uma única substitutiva: respeito.
 
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