sábado, 15 de fevereiro de 2014

Marginalzinho amarrado ao poste

Nesta semana a imprensa noticiou que duas pessoas foram atadas a um poste de rua. Um caso foi de um calouro da faculdade Casper Líbero em São Paulo, como parte de um trote bizarro de veteranos, inaceitável. No início desta semana um suposto assaltante de lanchonete foi também atado a um poste por pretensos justiceiros em Santa Catarina.
 
Na semana passada a jornalista Rachel Sheherazade (apresentadora do jornalístico SBT Brasil) teceu comentário iniciando com a frase "o marginalzinho amarrado ao poste...", em referência ao garoto delinquente de 15 anos, 'vingado' por uma milícia de playboys do bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Essa 'vingança' consistiu em despir o menino, mutilar parte de sua orelha, e atá-lo a um poste pelo pescoço com uma trava de bicicletas. O garoto foi acudido por uma artista plástica residente nos arredores, que viu a movimentação, se interpôs entre agredido e agressores, os valentões então foram embora, e os bombeiros chegaram para serrar a duras penas a trava envolta no pescoço do prisioneiro. A artista está agora com medo de sair de casa, pois tem sido ameaçada de retaliação por conta de seu ato reparador.
 
Crime notório essa ação dos justiceiros maiores-infratores. Se o menino estava rendido a ponto de ter sido feito dele o que de fato foi, que se levasse então à polícia e/ou aos pais.
 
Rachel aparentemente identificou-se com o fato. Encheu a boca ao chamar o rapaz delinquente de marginalzinho. Em nenhum momento recriminou a ação ilegal dos milicianos. Disse, ao contrário, que a ação foi até compreensível, dada a insegurança que passeia pelas ruas.
 
Essa mesma comentarista, moça charmosa na faixa dos 30 ou 40 anos, que faz jus mensalmente ao estupendo soldo de R$150 mil para cumprir função de apresentar notícias e palpitar com dedo em riste, é ladeada em bancada no jornalístico pelo experiente e renomado Joseval Peixoto. Ele puxou uma espécie de pedido de desculpas no dia seguinte à declaração da moça, fazendo um bate-bola com ela com questões arranjadas como "esclarece por favor se você, que se assume cristã, é ou não a favor da violência", e nitidamente constrangido encerrando o teatro ao dizer que as opiniões dela, dele e do SBT não são necessariamente as mesmas.
 
Coincidentemente poucos dias depois da declaração de Rachel, seu apático canal de TV demitiu três notórios comentaristas que, quero crer por falta de oportunidade em lugar melhor, topavam trabalhar na emissora: Carlos Chagas, José Nêumane Pinto e Denise Campos de Toledo. Justamente a moça raivosa, profissional léguas distantes de seus colegas que receberam o bilhete azul, estava entre os poupados. Consta que Rachel seja protegida do dono da emissora, o mitológico Silvio Santos. Consta também que seus colegas jornalistas de emissora declararam sentir vergonha dela. E sabe-se ainda que o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e a Comissão de Ética daquela entidade divulgaram uma nota de repúdio contra a "grave violação de direitos humanos e ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros".
 
As opiniões conservadoras e reacionárias dessa jornalista, incluindo o episódio da raiva do menino atado ao poste com subjacente condescendência com os milicianos, são celebradas por populares na internet, pelo o que se pode observar facilmente dando um google.
 
Multidões unidas podem significar apenas que os tolos estão do mesmo lado. Foi assim com o nazismo de Hitler, com a ditadura implantada pelo Golpe de 64 no Brasil, e talvez como ainda não tenha percebido a cristã boquirrota, com o clamor pela crucificação de Jesus.
 
Vejo que cristãos sinceros (como Shererazade se declara e eu acredito ser também) compartilham dessas mesmas ideias, dessa mesma raiva, mesmo desejo de vingança, dessa opinião que fins justificam os meios. Assim como os colegas de emissora de Rachel tem vergonha dela, tenho vergonha dos cristãos-evangélicos iracundos. O saudoso e desaparecido Ulysses Guimarães corajosamente declarou na vigência da ditadura militar no Brasil, ter nojo do regime. Desautorizadamente, empresto a sensação para declarar que tenho nojo das opiniões e da postura de Rachel e seus asseclas.
 
Não há dúvida que violência gera violência, agressão gera agressão. Com seres humanos via de regra é assim. Pais, tios, conhecidos, vizinhos de comunidade do menino, ou mesmo qualquer um que se identifique com sua humilhação podem desejar revanche. Será que Rachel classificaria também como "compreensível" eventual retaliação física aos playboys agressores? Em outros comentários (e não  são poucos), Rachel compadeceu-se do garoto rico Justin Bieber e pediu tolerância às bagunças brasileiras do fedelho, detonou os 'rolezinhos', e detonou mais ainda a iniciativa de um parlamentar de se tirar a menção "Deus seja louvado" das cédulas de Real.
 
Rachel poderia promover o louvor à sua deidade de forma bem mais eficaz que a destilação de sua ira ao laicado desejoso de retirar menções religiosas do dinheiro. Poderia lembrar que Jesus endureceu seu discurso em oposição apenas a duas situações: contra hipócritas e mercadores da fé. Cuidado, Rachel! Pois a ladrões, prostitutas, endemoninhados, e mesmo aos que o torturaram e mataram, Cristo manteve seu senso de justiça, ponderação e mansidão. Em seu ministério, ainda jantou amistosamente com fiscais dinheiristas, isentou adúlteros de penas impostas por seus semelhantes (como talvez despir, cortar a orelha e amarrar em poste), olhou com ternura aos mais fracos, ofereceu ajuda a desconhecidos, pregou parábolas de inclusão e justiça (não justiçamento).
 
A raivosa jornalista, que pela casca e discurso agressivo lembra bastante Fernando Collor e Jair Bolsonaro, e que confessa simpatizar com o estropício do Marco Feliciano, terminou seu discurso com a bizarra provocação de que quem tiver compaixão do menino atado ao poste, que adote um bandido (sic).
 
Retórica paupérrima, e que por incrível que pareça encontra guarida em muita gente esclarecida. Esse menino deveria é ser entregue à polícia ou pego por ela, pois ao contrário da provocação fascista da moça, não se trata de caso de adoção. Caso ela não tivesse tido coragem de tamanho sarcasmo, não precisaria citar que nem toda pessoa admirada é adotada, caso contrário o ex-jogador Zico estaria acomodado num seguro quarto de bebê em minha casa - ou teria talvez seu corpo fragmentado para que outros pudessem ter o mesmo privilegio que eu.
 
Se Rachel e os que gostam de suas ideias são de fato maioria, orgulho-me bastante de ser minoria. Se se encantam com palavras/frases enlatadas e vazias ditas à exaustão por ela (para justificar violências) como moral, bons costumes, pessoas de bem, "direitos humanos apenas para humanos direitos", etc., proponho-lhes uma única substitutiva: respeito.
 
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